10/06/2022

Revisão da vida toda: voto de ministro aposentado passa a valer em casos destacados

Fonte: Jota / Kalleo Coura, Flávia Maia e Felipe Recondo
 
Com nova regra aprovada pelo STF, voto do ministro Marco Aurélio a favor de aposentados fica mantido. Mudança afeta outros casos
 
O Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou uma nova regra, nesta quinta-feira (9/6), que impactará no julgamento da revisão da vida toda do INSS. A partir de agora, os votos de ministros aposentados proferidos em julgamento em plenário virtual e que foram destacados para plenário físico continuarão válidos. A mudança foi aprovada por oito votos a um, depois de uma questão de ordem proposta pelo ministro Alexandre de Moraes.
 
A alteração impactará, além do julgamento da revisão da vida toda, mais de 20 julgamentos interrompidos em plenário virtual por pedido de destaque, como, o caso sobre o imposto sobre grandes fortunas e o que discute o crédito presumido de ICMS na base do PIS/Cofins.
 
Na discussão, os ministros também disseram que irão enviar minutas para alterações no plenário virtual, como, por exemplo, a impossibilidade de destaque após o voto de 11 ministros.
 
A questão de ordem proposta por Alexandre de Moraes começou a ser discutida pelos ministros logo após o destaque de Nunes Marques no processo da revisão da vida toda.
 
Ela só foi colocada em votação uma semana depois de Nunes Marques anular um julgamento colegiado do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e na mesma semana em que viu sua decisão ser derrubada na 2ª Turma, depois de uma manobra para que o caso não fosse julgado pelo plenário.
 
Os ministros julgam nesta quinta-feira ações contra leis estaduais que obrigam os prestadores de serviços contínuos a estender, automaticamente, novas promoções a antigos clientes. A nova regra do plenário virtual já produziu efeitos neste julgamento e, em um dos casos, o voto de Marco Aurélio também está preservado.
 
Entenda os impactos no processo da revisão da vida toda
 
Mesmo depois de todos os onze ministros apresentarem seus votos no julgamento da revisão da vida toda, o ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu destaque do plenário virtual, no dia 9 de março. Com isso, o julgamento, que estava 6 a 5 a favor dos aposentados, deveria ser reiniciado no plenário físico.
 
Com a manobra, o voto do então relator Marco Aurélio Mello, de acordo com as regras do plenário virtual, não seria aproveitado e o novo ministro, André Mendonça, ex-AGU, que já foi designado como novo relator do processo, poderia votar e alterar o placar.
 
O ministro Marco Aurélio havia votado a favor dos aposentados. Com a mudança da regra aprovada nesta quinta-feira pelo STF, o voto dele está mantido e André Mendonça não poderá votar no caso.
 
Os ministros ainda precisam decidir, numa sessão administrativa, o que fazer
com os julgamentos destacados depois de todos os votos proferidos no
plenário virtual: se o julgamento fica encerrado ou se, ainda assim, ele será
reiniciado, computando-se o voto do ministro Marco Aurélio.
 
Os valores do impacto do julgamento da revisão da vida toda são divergentes – a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) traz a cifra de R$ 46, 4 bilhões em 10 anos; a Previdência calcula R$ 360 bilhões em 15 anos e associações de aposentados falam em impacto econômico entre R$ 2,7 bilhões e R$ 5,5 bilhões nos gastos federais com Previdência, conforme a mediana do indicador de inflação.
 
Ao votar no processo da revisão da vida toda, o ministro Marco Aurélio havia opinado que não é legítima a imposição de regra de transição mais gravosa que a definitiva. “Desconsiderar os recolhimentos realizados antes da competência julho de 1994 contraria o direito ao melhor benefício e a expectativa do contribuinte, amparada no princípio da segurança jurídica, de ter levadas em conta, na composição do salário de benefício, as melhores contribuições de todo o período considerado”, ponderou. Leia a íntegra do voto do relator.
 
Antes do destaque de Nunes Marques, o ministro Alexandre de Moraes havia desempatado o julgamento e votado a favor dos aposentados, formando o placar de 6 a 5, ou seja com os votos de todos os ministros. Moraes acompanhou o então relator, ministro Marco Aurélio, já aposentado, e o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o assunto, no sentido de que o segurado do INSS tem, diante de mudanças nas regras previdenciárias, o direito de optar pela regra que lhe seja mais favorável. Ou seja, uma vitória para os beneficiários e uma derrota para o governo. Leia a íntegra do voto de Alexandre de Moraes.
 
Além de Moraes, os ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Lewandowski acompanharam Marco Aurélio.
 
A divergência
 
O ministro Nunes Marques, responsável pelo destaque, havia aberto a divergência, argumentando que o recurso sequer deveria ser conhecido por uma questão formal, não fosse um erro cometido pelo STJ. Para Marques, a Corte, ao acolher a tese da revisão da vida toda, de certa forma entendeu ser inconstitucional a regra de transição da Lei 9.876/1999. Porém, sustenta o ministro, a decisão foi proferida pela Primeira Seção do STJ, quando somente o Órgão Especial é quem poderia declarar uma norma inconstitucional.
 
No mérito, Marques entende que a tese não deve prosperar porque entende ser uma falsa premissa o fato de que seria mais vantajoso para o segurado considerar o cálculo de todo o período de contribuição, inclusive antes de 1994. Segundo o magistrado, os trabalhadores tendem a ter maiores salários na fase mais madura da vida, e não no começo de carreira laboral, de sorte que, em tese, considerar todo o período contributivo é incluir no cálculo as suas primeiras e presumivelmente menores remunerações. Marques ainda destacou os impactos aos cofres públicos que a autorização da revisão da vida toda poderia causar. Leia a íntegra do voto de Nunes Marques.
 
Assim, o ministro votou por dar provimento ao recurso do INSS e propôs a seguinte tese de repercussão geral: “É compatível com a Constituição Federal a regra disposta no caput do art. 3º da Lei 9.876/1999, que fixa o termo inicial do período básico de cálculo dos benefícios previdenciários em julho de 1994 ”. Foi acompanhado pelos ministros Toffoli, Barroso, Fux e Gilmar Mendes.
 
Entenda a revisão da vida toda
 
Em 1999, foi promulgada a Lei 9.876, uma reforma previdenciária que criou duas fórmulas para apuração da média salarial, sobre as quais são calculadas as aposentadorias. A regra geral definiu que, para trabalhadores que começassem a contribuir a partir de 27 de novembro de 1999, o cálculo da previdência deveria ser sobre 80% dos recolhimentos mais altos desde o início das contribuições.
 
Mas a mesma lei fixou uma regra de transição para quem já era contribuinte: o benefício deveria ser calculado a partir das contribuições realizadas a partir de julho de 1994 (quando foi instituído o Plano Real). No STF, os segurados visam uma revisão, para incluir nos cálculos todo o período de contribuição do segurado, e não só após 1994. Dessa forma, beneficiaria os segurados que tiveram as maiores contribuições antes desse período.
 
Até 1994, o país tinha uma alta inflação devido às mudanças frequentes de moedas. Naquele ano, foi instituído o Plano Real. A Lei 9.876/1999 então definiu que iriam ser considerados os salários a partir de julho de 1994. No entanto, algumas pessoas tiveram suas maiores contribuições antes de 1994. Então quando elas começaram a se aposentar depois disso, tiveram benefícios menores do que poderiam ter. E muitas pessoas passaram a entrar no Judiciário para pleitear que a aposentadoria considerasse todo o histórico contributivo, e não apenas de 1994 para frente.
 
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, em 2019, pela validade da “revisão da vida toda”, autorizando que, quando mais vantajosa, os segurados teriam direito ao cálculo da média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo, e não só a partir do Plano Real. O INSS recorreu ao STF por meio do recurso extraordinário que está sendo julgado agora.
 
Na ocasião, o STJ fixou a seguinte tese: “Aplica-se a regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do salário de benefício, quando mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3o. da Lei 9.876/1999, aos Segurado que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei 9.876/1999″.


 
KALLEO COURA – Editor executivo em São Paulo. Responsável pela coordenação da cobertura do JOTA. Antes, trabalhou por oito anos na revista VEJA, onde foi repórter de Brasil, correspondente na Amazônia, baseado em Belém, e no Nordeste, com escritório no Recife. Email: kalleo.coura@jota.info
 
FLÁVIA MAIA – Repórter em Brasília. Cobre Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal (STF). Foi repórter do jornal Correio Braziliense e assessora de comunicação da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Faz graduação em Direito no IDP. Email: flavia.maia@jota.info
 
FELIPE RECONDO – Diretor de conteúdo em Brasília. Sócio-fundador, é responsável por todo o conteúdo produzido pelo JOTA. Autor de "Tanques e Togas - O STF e a Ditadura Militar" e de "Os Onze - O STF, seus bastidores e suas crises", ambos pela Companhia das Letras. Antes de fundar o JOTA, trabalhou nos jornais O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, no blog do jornalista Ricardo Noblat. Email: felipe.recondo@jota.info