12/09/2024
Prisão após condenação pelo júri é imediata, independentemente da pena, decide Supremo
Fonte: ConJur
A soberania dos vereditos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução da condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada. Esse entendimento é do Plenário do Supremo Tribunal Federal, em decisão com repercussão geral.
A corte concluiu nesta quinta-feira (12/9) o julgamento que discutiu a possibilidade da prisão imediata para pessoas condenadas pelo júri. Prevaleceu o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso.
Ele foi acompanhado pelos ministros André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Dias Toffoli.
A corte também deu interpretação conforme a Constituição ao dispositivo do Código de Processo Penal, alterado pela lei “anticrime” (Lei 13.964/2019), que diz que só penas superiores a 15 anos têm execução imediata.
O ministro Gilmar Mendes abriu a divergência. Para ele, a execução só pode ocorrer ao fim do processo. O decano do Supremo entendeu, no entanto, que pode haver a decretação de prisões preventivas. Ele foi acompanhado pelos ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, hoje aposentados.
O ministro Edson Fachin abriu uma terceira possibilidade: para ele, a execução imediata só vale para condenações superiores a 15 anos, nos termos da lei “anticrime”. Ele foi acompanhado pelo ministro Luiz Fux, que, no entanto, fez a ressalva de que em casos de feminicídio a prisão deve ser imediata. Fachin aderiu ao adendo de Fux.
O caso começou a ser analisado no Plenário Virtual, mas foi enviado ao Plenário físico após pedido de destaque de Gilmar, tendo sido retomado presencialmente na sessão desta quarta (11/9).
Voto do relator
Barroso manteve na quarta o voto dado no Plenário Virtual. Ele propôs a tese de que a soberania dos vereditos do júri autoriza a imediata execução da condenação, independentemente do total da pena aplicada.
Segundo Barroso, a execução imediata não viola o princípio da presunção de inocência. Ele também destacou que só o Tribunal do Júri pode julgar crimes dolosos contra a vida, o que justifica que nenhuma corte possa substituir a decisão do júri.
“O Direito à vida é expressão do valor intrínseco da pessoa humana, constituindo bem jurídico merecedor de proteção expressa na Constituição e na legislação penal. A Constituição prevê a competência do Tribunal do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e prevê, ademais, a soberania do Tribunal do Júri, a significar que sua decisão não pode ser substituída pelo pronunciamento de qualquer outro tribunal.”
O ministro citou dados do Tribunal de Justiça de São Paulo que dizem que, nas decisões proferidas por júris paulistas entre 2017 e 2019, a corte de segunda instância somente ordenou a devolução do caso para nova análise a pedido do réu em 1,97% dos casos. Já em recursos da acusação, isso ocorreu apenas em 1,46% das vezes. E mesmo tais determinações não significam a absolvição do réu.
“Considerando o inexpressivo percentual de modificação das decisões condenatórias do júri, tudo recomenda que se confira máxima efetividade à garantia constitucional da soberania dos vereditos do júri, mediante a imediata execução das suas decisões”, afirmou o relator.
Segundo ele, a presunção de inocência do réu é apenas um princípio, e não uma regra. Por isso, pode ser “aplicada com maior ou menor intensidade, quando ponderada com outros princípios ou bens jurídicos constitucionais colidentes”.
Na sua visão, a soberania do júri prevalece sobre a presunção de inocência, que não é violada nesses casos: “O princípio da presunção de inocência adquire menor peso ao ser ponderado com o interesse constitucional na efetividade da lei penal”.
Inocência afastada pela sociedade
Ao seguir o relator, Alexandre de Moraes afirmou que a execução imediata não deve ser confundida com violação do princípio da presunção de inocência, uma vez que houve condenação pelo júri.
“O júri é a sociedade julgando aquela pessoa. A sociedade disse que aquela pessoa deve ser condenada. A presunção de inocência dele foi afastada pela sociedade. A sociedade, naquele momento, de forma soberana, representada pelo conselho de jurados, inverteu a presunção de inocência. Não é possível dizer que ele (o condenado) permanece inocente.”
Para Dias Toffoli, somente se justifica a anulação do julgamento do júri quando houver contrariedade às provas dos autos. Caso contrário, deve ser respeitada a soberania dos vereditos, com a prisão imediata. Toffoli é relator de um caso de grande repercussão que trata de decisão de júri: o do incêndio da Boate Kiss, em que 242 pessoas morreram.
“São dois princípios constitucionais: a presunção de inocência, até o trânsito em julgado, e o júri soberano. São normas constitucionais originárias e nem há que se falar de soberania de uma sobre a outra, mas de aplicação conjunta.”
Segundo Toffoli, o Tribunal do Júri tem diversos problemas, inclusive a demora nos julgamentos, o que, por vezes, leva a casos de prescrição. No entanto, a soberania deve ser mantida, com a execução imediata da pena.
“A instituição do júri, embora possa ser romântica no meu olhar, é desfuncional. Desde que tive a oportunidade de votar em processos que tratam do Tribunal do Júri, para além de defender a soberania, tenho uma preliminar de que o júri deveria ser extinto, para o bem do melhor andamento das investigações, da atuação do Ministério Público ou da magistratura togada, que poderá, de maneira mais rápida, decidir.”
Divergência
Gilmar Mendes também manteve sua posição original apresentada no Plenário Virtual. O ministro votou na quarta contra a execução imediata de condenações do Tribunal do Júri.
Para ele, a determinação constitucional de que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” não é um “princípio ponderável”, mas um direito fundamental.
O ministro estabeleceu uma série de premissas para sustentar sua posição: “Ninguém pode ser punido sem ser considerado culpado”; “Ninguém pode ser preso sem ter a sua culpa definida por ter cometido um crime”; e “Não se pode executar uma pena a alguém que não seja considerado culpado”. Por fim, a Constituição diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, destacou ele.
Gilmar também lembrou que o tribunal de segunda instância pode determinar um novo júri caso entenda que a decisão foi manifestamente contrária às provas dos autos.
“Não se pode admitir que a execução da condenação proferida em primeiro grau (ainda que por Tribunal do Júri) se inicie sem que haja a possibilidade de uma revisão por tribunal.”
De acordo com o ministro, nada justifica tratamento diverso aos condenados no Tribunal do Júri em relação aos demais réus, cujas penas só podem ser executadas após o trânsito em julgado da sentença.
Ainda segundo Gilmar, o Supremo já decidiu contra a execução antecipada da pena e não há motivos para diferenciar condenações do júri.
“Não há qualquer motivo legítimo para que tal precedente não se aplique aos casos julgados por jurados. Permitir a execução imediata da condenação proferida em primeiro grau pelos jurados é ainda mais gravoso do que a posição reformada pelo Plenário no julgamento das ADCs 43, 44 e 54, o que caracteriza evidente violação à presunção de inocência.”
Gilmar, por fim, votou por declarar a inconstitucionalidade do dispositivo da lei “anticrime” que autorizou a execução imediata das penas superiores a 15 anos. O voto possibilita, no entanto, a prisão preventiva se motivadamente decretada a partir dos fatos e fundamentos trazidos pelos jurados.
Terceira via
Edson Fachin divergiu do relator, mas não aderiu à corrente do decano do STF. Ele considerou válida somente a execução imediata das penas superiores a 15 anos, como previsto na lei “anticrime”. No caso concreto, votou pela prisão do réu, já que a pena imposta pelo júri foi de 26 anos e oito meses.
“Tentando adotar o critério adotado pelo legislador, (proponho) que em penas de 15 anos ou mais, a execução imediata é automática. Em até 15 anos, é possível a prisão desde que o juiz, ao final da sessão, decrete a prisão preventiva.”
Fachin afirmou que a soberania do júri e a presunção de inocência são direitos fundamentais equivalentes e que há espaço de “conformação para que o legislador delibere sobre a sua instituição”.
Por outro lado, segundo ele, a presunção de inocência não pode ser interpretada como uma garantia universal de efeito suspensivo das decisões em matéria criminal.
Para ele, o Judiciário deve respeitar as opções feitas pelo Legislativo sobre o tema. Segundo o ministro, o Congresso estipulou a regra dos 15 anos por entender que a condenação a partir desse patamar configura conduta criminosa qualificada por gravidade acentuada.
Fux acompanhou Fachin, mas fez a ressalva de que em casos de feminicídio a prisão é imediata. Fachin aderiu ao adendo de Fux.
Caso concreto
O caso levado ao STF é o de um acórdão do Superior Tribunal de Justiça que afastou a prisão de um homem condenado pelo Tribunal do Júri por feminicídio duplamente qualificado e posse ilegal de arma de fogo.
Na ocasião, o STJ entendeu que o réu não pode ser preso somente com base na premissa da soberania dos vereditos do júri (prevista na Constituição), sem qualquer outro elemento para justificar a medida no caso concreto, nem confirmação por colegiado de segundo grau ou esgotamento das possibilidades de recursos.
A decisão se baseou na jurisprudência do Supremo, segundo a qual a pena só pode ser executada após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Em recurso, o Ministério Público de Santa Catarina alegou que a soberania dos vereditos do júri não pode ser revista pelo tribunal de apelação.
RE 1.235.340