19/11/2021

Liberdade sindical ofendida na portaria nº 671/2021

Fonte: ConJur / Paulo Sergio João*
 
O Ministério do Trabalho e Previdência Social publicou, em 11/11/2021, uma série de portarias com o objetivo de simplificar e desburocratizar procedimentos internos da pasta, revogando diversas normas que até então vagavam desapercebidas. Dentre as portarias, nem prejuízo da necessidade de atualização do conteúdo das demais, há uma em especial, a Portaria/MTP Nº 671, que regulamenta disposições relativas à legislação trabalhista, à inspeção do trabalho, às políticas públicas e às relações de trabalho.
 
O Capítulo XV, trata "DAS ENTIDADES SINDICAIS E DOS INSTRUMENTOS COLETIVOS DE TRABALHO" nos artigos 232 a 308, passando pelos procedimentos administrativos para registro de entidades sindicais, recolhimento e distribuição da contribuição sindical urbana, registro de instrumentos coletivos de trabalho e mediação de conflitos de natureza trabalhista.
 
O confronto de suas disposições com o princípio da liberdade sindical parece enfrentar aspectos claros de inconstitucionalidade (artigo 8º, I, da CF) eis que, no artigo 235 vem a fixar critérios e condições para a solicitação de registro sindical, exigindo, no item II, além do registro em cartório, lista de presença em assembleia, ata de assembleia, nomes completos com número de registro no CPF e as assinaturas dos participantes. Neste último tema, de dar conhecimento dos participantes com número de CPF, revela violação às garantias constitucionais da liberdade de pensamento, a liberdade de consciência e a inviolabilidade à intimidade. É um sinal dos velhos tempos em que o Ministério se acostumou com o modelo de sindicatos criados por oportunismo e não por ideologia. O controle de entidades sindicais pelos trabalhadores a ela filiados ofende a liberdade sindical.
 
As alterações estatutárias são repetem nível de exigência minucioso e controlador a fim de habilitar a entidade sindical como representativa dos trabalhadores, ofendendo, de novo, a Constituição Federal.
 
A portaria reproduz possibilidade de fusão ou incorporação de entidades sindicais já lançado anteriormente com a Portaria 17.593 de 2020, ocasião em que publicamos nesta coluna em 14/08/2020, artigo sob o título "Sindicalismo em transformação e socorrismo estatal" cujas palavras servem ao momento atual de que "vem confirmar o desmanche do modelo e a transformação dos sindicados por fusão ou incorporação, ou seja, as entidades de primeiro grau (sindicatos) ou de segundo grau (federações e confederações) poderão (1) rever seus estatutos para alteração de categoria e base territorial; (2) solicitar a fusão de sindicatos; (3) solicitar a incorporação de uma entidade sindical pela outra".
 
Claro está que o conceito de categoria profissional deixou de ser importante para a formação de sindicatos. A extinção da contribuição sindical compulsória deixou muitos sindicatos sem efetiva representatividade e, assim sendo, poderão ser assimilados por outros sindicatos, de modo a fortalecer a representação.
 
Esta situação de fusão ou incorporação de sindicatos talvez seja um instrumento de ampliação da representação sindical não mais por categorias determinadas, mas por trabalhadores "tout court", com atuação e representação de trabalhadores em diversos segmentos da atividade econômica, posto que inexistente o antigo Quadro de Categorias, revogado pela Constituição em outubro de 1988.
 
Não há notícias de que os sindicatos tenham atuado diretamente na elaboração do texto da portaria, mas as condições impostas revelam uma intenção de preservar o antigo modelo de organização sindical com uma única finalidade que é de gerar o famigerado código sindical, que habilita a entidade a receber as contribuições sindicais dos trabalhadores que se manifestarem favoráveis ao desconto em folha. Em troca disto, o Ministério do Trabalho busca se apropriar do sindicato e, de novo, revela, quanto à garantia do artigo 8º, I, inconstitucionalidade flagrante.
 
Do ponto de vista jurídico, importante é que haja representatividade entre os negociadores de normas coletivas e que prevaleça a boa-fé nas negociações.
 
*Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Getulio Vargas.