18/11/2019

Dívidas trabalhistas devem ficar mais baratas

Fonte: Valor Econômico
 
MP prevê que o índice de reajuste dos débitos trabalhistas é o IPCA-E, acrescido de juros da poupança
 
 
A redução dos juros relativos às condenações trabalhistas, prevista pela Medida Provisória (MP) nº 905, pode estimular a apresentação de recursos por empresas para adiar os pagamentos e incentivar a aplicação desses recursos no mercado financeiro. Segundo especialistas, a medida também permitirá que façam provisionamentos menores para quitar possíveis débitos.
 
A MP prevê que o índice de reajuste dos débitos trabalhistas é o IPCA-E, acrescido de juros da poupança (em torno de 4,5% em 2018). Até então, o IPCA-E e juros de 12% ao ano era a fórmula normalmente adotada pela Justiça do Trabalho. A previsão, já em vigor, precisa ser aprovada em 120 dias no Congresso para manter sua validade. Em 2018, foram pagos R$ 30,2 bilhões na Justiça do Trabalho, segundo dados do Ministério da Economia. 
 
O advogado Daniel Chiode, do Chiode Minicucci Advogados, afirma que as empresas têm deixado de recorrer na Justiça do Trabalho porque a aplicação financeira efetuada com esse dinheiro até o fim do processo não tem compensado. “As decisões de recorrer ou não têm sido tomadas com a calculadora na mão”, diz Chiode. Com a queda da taxa Selic - hoje de 5,5%, mas que já chegou a 15%, 16% - esses valores já não rendem o suficiente para justificar a manutenção do processo.
 
Com aplicação do IPCA-E e 12% de juros por ano na Justiça do Trabalho, “essa dívida ficou muito cara”, afirma Chiode. Para ele, o governo acertou ao fixar um valor dentro do mercado, “que já não dobra a cada três anos”.
 
Segundo Ricardo Calcini, professor de direito do trabalho do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), com a lentidão da Justiça do Trabalho e os juros que correm mês a mês o custo do processo fica alto. “Agora o cenário poderá ser diferente com juros de poupança”, diz.
 
José Eymard Loguércio, do LBS Advogados, que defende trabalhadores, afirma que a medida estimula o prolongamento de processos na Justiça. “O mau devedor ganhará no mercado financeiro muito mais do que desembolsará nos processos.” Para ele, os juros de mora de 1% ao mês são históricos na Justiça do trabalho, que lida com processos sobre verbas alimentares. “Mais uma medida que prejudica o trabalhador e estimula o descumprimento da legislação trabalhista”, afirma.
 
Como o reajuste aos processos trabalhistas será menor, Chiode acrescenta que as grandes companhias também poderão mexer nos provisionamentos. De acordo com o advogado, esses valores ficam normalmente parados, sem que a controladoria da empresa autorize a movimentação para investimentos, distribuição de dividendos, entre outros fins. “A provisão impacta absurdamente no resultado das empresas. Uma conta de provisão muito alta afasta os investidores. Esse dinheiro poderá ser movimentado, sem que isso seja uma irresponsabilidade”, diz.
 
Já o professor Calcini afirma que se a MP passar no Congresso, os processos que ainda não foram pagos poderão ter seus valores recalculados com os juros da caderneta de poupança para reajustar os provisionamentos.
 
Para o advogado Maurício Pessoa, do Pessoa Advogados, a medida do governo é mais que prudente. “Os créditos trabalhistas estavam recebendo a maior correção do planeta, dificultando inclusive a celebração de acordos”, diz. Segundo o advogado, “a ideia é recompor, com maior exatidão possível, o patrimônio desfalcado, e não conceder vantagem ao credor ou devedor”.
 
Ao mesmo tempo que o governo diminuiu os juros, admitiu que o índice de correção desses processos é o IPCA-E. A reforma trabalhista determinou a volta da Taxa Referencial (TR) como correção, menor que o IPCA-E. A Justiça do Trabalho, porém, em sua maioria, continuava a aplicar o IPCA-E.
 
Até 2015, os processos eram corrigidos pela TR e 12% de juros. O Pleno do Tribunal Superior do Trabalho (TST) alterou para o IPCA-E, ao considerar o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que tratou da correção monetária de precatórios. A Federação Nacional dos Bancos (Fenaban) considerou na época que o TST extrapolou a própria competência ao aplicar aos processos trabalhistas um entendimento específico para precatórios e ingressou com a reclamação no Supremo. A 2ª Turma, porém, decidiu pela improcedência da ação, tornando válida a decisão da Justiça do Trabalho. 
 
Agora há três ações no Supremo que tratam da discussão sobre a aplicação da TR ou IPCA-E após a reforma trabalhista. Contudo, elas ainda não foram analisadas.
 
Para Maurício Pessoa, que representou a Fenaban na reclamação, o governo manteve o índice que o STF considerou apropriado para conservar o valor da moeda sem ferir o direito de propriedade, no caso de precatórios. “Imagino, porém, que o governo se antecipou e tentou evitar a discussão constitucional.”
 
Se a MP for aprovada no Congresso, Calcini acredita que o STF pode entender que os processos sobre o tema perderam objeto.